Aos Amigos, Herberto Helder

Leia aqui o poema Aos Amigos, Herberto Helder.

Aos Amigos, Herberto Helder
Poeta português Herberto Helder

Aos Amigos

 

Amo devagar os amigos que são tristes com cinco dedos de cada lado.

Os amigos que enlouquecem e estão sentados, fechando os olhos,

com os livros atrás a arder para toda a eternidade.

Não os chamo, e eles voltam-se profundamente

dentro do fogo.

— Temos um talento doloroso e obscuro.

Construímos um lugar de silêncio.

De paixão.

 

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que eu aprenda tudo desde a morte,

mas não me chamem por um nome nem pelo uso das coisas,

colher, roupa, caneta,

roupa intensa com a respiração dentro dela,

e a tua mão sangra na minha,

brilha inteira se um pouco da minha mão sangra e brilha,

no toque entre os olhos,

na boca,

na rescrita de cada coisa já escrita nas entrelinhas das coisas,

fiat cantus! e faça-se o canto esdrúxulo que regula a terra,

o canto comum-de-dois,

o inexaurível,

o quanto se trabalha para que a noite apareça,

e à noite se vê a luz que desaparece na mesa,

chama-me pelo teu nome, troca-me,

toca-me

na boca sem idioma,

já te não chamaste nunca,

já estás pronta,

já és toda

 

 do livro A Faca não Corta o Fogo